Direito de Família na Mídia
Publicitária obtém autorização para eliminar sobrenome do pai, de quem se afastou há 16 anos
10/03/2005 Fonte: Espaço Vital em 11/03/05Uma publicitária porto-alegrense, 23 anos de idade, obteve sentença judicial - já transitada em julgado - que autoriza a retificação de seu registro civil para que ela não mais use o sobrenome (“Rotenberg”) do pai. Em Juízo, a advogada Bernardete Kurtz sustentou - e demonstrou com documentos, fotos e prova testemunhal - que a sua cliente F.E.R. é filha de pais separados desde 1988. Desde então, “a filha não teve mais convívio com o genitor, muito embora ambos residam em Porto Alegre”.
Não houve qualquer aproximação, nem mesmo nas datas importantes da vida da jovem. Em razão disso - diz ela - “sempre se identificou sem o patronímico paterno e assim é conhecida socialmente, não encontrando razão para continuar a ostentar o sobrenome do pai”.
Numa sentença técnica em que explica “o que se entende, geralmente, por nome”, o juiz Antonio Carlos Antunes do Nascimento e Silva, da Vara dos Registros Públicos de Porto Alegre, deferiu o pedido.
O magistrado referiu que “portanto, ao ser formado o nome do filho, ao seu prenome se acrescentam os patronímicos materno e paterno, ou apenas este último. Conclui-se, assim, que os elementos fundamentais do nome civil são: prenome e patronímicos.” Detalhe interessante é que o pai carnal veio aos autos para, expressamente, anuir com a supressão do sobrenome.
A reação dos filhos ante o desprezo afetivo dos pais já não é novidade no Direito brasileiro. No ano passado, o Espaço Vital registrou dois casos (um de Belo Horizonte; outro de Capão da Canoa) de dois jovens que ganharam, em Juízo, reparações cíveis de seus pais, porque foram por estes abandonados afetivamente. No caso, agora, da publicitária porto-alegrense, ela optou só pela extirpação do sobrenome paterno. Credora de alimentos, ela chegou a entrar com ação de execução, sem resultados práticos.
A supressão do sobrenome “foi a maneira não mercantilista que a minha cliente utilizou para deixar sacramentado, no Direito, que ela não tem mais ligações com o pai” - diz a advogada Bernardete Kurtz. Nos próximos dias, F.E.R. dedica-se à tarefa burocrática de alterar seu diploma de publicitária. Formada no final do ano passado, o diploma ainda traz o sobrenome que foi, agora, extirpado. (Proc. nº 10503790773 - que não tramitou em segredo de Justiça).
Sentença técnica leciona que "nome é o vocábulo que se dá a cada pessoa, e com o qual é chamado, por ser o seu designativo próprio e certo”
VARA DOS REGISTROS PÚBLICOS
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL
Processo nº 00118141697
Reqte: F.E.R.
Vistos etc.
Trata-se de pedido de RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL formulado pela(s) parte(s) supra nominada(s), qualificada(s) na inicial, por procurador, objetivando a alteração do seu nome para F.E., com a exclusão do patronímico Rotenberg de origem paterna.
Aduz a requerente que seus pais estão separados desde o ano de 1988, e que desde então não teve mais convício com seu genitor, muito embora ambos residam na mesma cidade, não houve qualquer aproximação nem mesmo nas datas importantes na vida da mesma, conforme faz prova através de fotos acostadas aos autos. Em razão disso sempre se identificou sem o patronímico paterno, e assim é conhecida e reconhecida socialmente, não encontrando razão para continuar a ostentar tal nome.
Juntados documentos. Anuência do genitor da requerente. Designada audiência para oitiva da autora e testemunhas arroladas. A representante do Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo deferimento do pedido.
Relatei. Decido.
I - Ao ser grafado o nome dos filhos, acrescenta-se, pelo costume pátrio e, até como interpretação do art. 55 “caput”, da lei dos Registros Públicos, ao prenome (simples ou composto) o nome de família da mãe e, em seqüência, o do pai, ou apenas o deste. Com o que se estabelece, via de conseqüência, clara distinção da origem familiar do possuidor do nome, por devidamente especificado o tronco de origem de cada pessoa.
Sobre o tema, José Serpa de Stª Maria (In Direitos da Personalidade e a Sistemática Civil Geral, Ed. Julex Livros, 1ª ed., 1.987, p. 159 e segts.) refere: “(...) enquanto que o sobrenome, como resulta de seu próprio valor semântico, é aquele que se apõe nome depois de formado ou completo, para diferenciá-lo de nome igual e preservar o escopo identificador que absolutamente não possa ser elidido na hipótese de homonímia e com este sentido será perfeitamente acolhível a “mutatio nomines’ (...)”. “(...) O agnome e nome patronímico é o nome de família daquele que recebe o prenome, para distinguir das demais famílias, sendo formado pelo nome apenas de um genitor ou de ambos os progenitores do nomeando. O sobre nome é, ainda, o vocábulo aposto após o nome patronímico visando distinguir o nomeando de qualquer outro de sua família, e que, segundo PORCHART, é o elemento contingente ‘que por último se acrescenta ao nome fixo já completado’ (...)”.
Walter Ceneviva (Lei dos Registros Público Comentada, Saraiva, 8ª ed. 1.993) preleciona: “Os apelidos de família são preservados porque indicam a procedência da pessoa e sua origem familiar, resguardadas pela severa regra do art. 57. Assim, mesmo admitida a mudança de nome (em sentido amplo), não podem ser excluídos ou modificados).
O que se entende, então, geralmente por nome?
Cícero já o elucidava em uma frase que De Cupis tomou para epígrafe de importante monografia: “Nomen est, quod uni cuique personae datur, quo suo quaeque proprio et certo vacabulo appellatur”. R. Limong França (Do Nome Civil das Pessoas Naturais, RT, 3ª ed., p. 20) propõe, para tal expressão, a seguinte tradução:
“Nome é o vocábulo que se dá a cada pessoa, e com o qual é chamado, por ser o seu designativo próprio e certo”.
A identidade, que é um direito fundamental da pessoa humana, inaugura os direitos de cunho mora, exatamente por se constituir no elo de ligação entre o individuo e a sociedade em geral. O bem jurídico tutelado é a identidade, que se considera como atributo ínsito na personalidade humana (Carlos Alberto Bittar, Os Direitos da Personalidade, Forense Universitária, 1ª ed., pp. 120/121).
O abalizado Prof. W. de Barros Monteiro, com referido por José Serpa de Stª maria ( Direitos da Personalidade e a Sistemática Civil Geral, Ed. Julex Livros, 1ª ed., 1987, p. 132), define o nome como o sinal exterior pelo qual se designa, se identifica e se reconhece a pessoa no seio da família e da comunidade.
II - As origens do nome remontam às origens do próprio homem. Spencer Vampré (Do Nome Civil, Rio, 1935, p. 9) menciona que as origens do nome atribuído às coletividades e aos indivíduos remontam a antiquíssimo passado e se confundem com as origens do homem. O nome, entre os povos primitivos, conforme Planiol (Traité Élémentaire de Droit Civil, Tomo I, Paris, 1904, p. 147) era único e individual, pois um só vocábulo designava as pessoas, que não o transmitiam aos descendentes.
Já na antigüidade, nos pirmórdios das civilizações de Hebreus e Gregos, por um só nome era identificado o indivíduo que, depois, em virtude do crescimento das coletividades, passou a adotar nomes completares: Os hebreus, consoante o Novo Testamento, começaram agregar ao nome outro com indicativo de sua origem. Da mesma forma, os Gregos acresceram outros nomes: o nome do pai e o da gens ou tribo.
Os Romanos usavam mais de um nome, inclusive acrescentavam apelido relacionado com algum sucesso ou circunstância especial. R. Limongi França (Do Nome Civil das Pessoas Naturais, Revista dos Tribunais, 3ª edição, 1975, p. 31), com base referencial em outros autores, exemplifica o seguinte nome romano: Publius Cornelius Scipio Africanus. Publius Cornelius Scipio designava um indivíduo da gente Cornelia, da família dos Cipiões, chamado Públio. Africanus, porque se celebrizou por seus feitos em batalhas na África.
Assim, entre os mais variados povos, civilizações e épocas, formas várias serviam para complementar a designação personativa de cada indivíduo, em decorrência, evidentemente, do crescimento populacional e das relações civis e negociais entre as pessoas.
Modernamente, nos países do Ocidente é adotada, de uma maneira geral, a dupla denominação, que se compõe de um nome individual (prenome) e patronímicos de família, podendo, entretanto, surgir elementos secundários ou nome ou, mesmo, substitutivos deste, como a alcunha, o pseudônimo, a partícula etc.
Na comunidade luso-brasileira, de igual forma, prepondera a adoção do nome individual (prenome) e dos patronímicos de família, como elementos básicos do nome, ocorrendo, entretanto, ausência de uniformidade, entre filósofos, doutrina e jurisprudência, quanto à denominação correta desses elementos do nome (prenome e patronímicos), bem como dos elementos secundários ou substitutivos do nome.
Entendimento majoritário, entretanto, é que o nome civil corresponde à designação personativa completa do indivíduo. É o nome completo da pessoa, iniciando pelo prenome (nome individual) e finalizando pelo último nome aposto, seja como elemento básico (patronímicos), seja como elemento secundário do nome. E, principalmente, serve para distinguir as pessoas humanas de uma mesma sociedade.
Elementos fundamentais do Nome Civil:
1 - Prenome:
É o nome próprio da pessoa, é o nome individual, é o nome pelo qual foi registrada. Localiza-se, na formação do nome completo, em primeiro lugar. Embora, na linguagem corrente, não seja utilizado, já que ninguém pergunta ou responde: Qual seu prenome? Meu prenome é. É utilizado, assim, como a designação de nome latu sensu.
Alguns autores afirmam que prenome é o nome individual da pessoa, é a denominação que precede o nome da família do indivíduo, podendo ser simples ou composto. Outros, entretanto, de forma diversa analisam a questão, entendendo que o segundo elemento do prenome composto denomina-se sobrenome.
2 - Nome de Família:
É o indicativo da origem familiar. Agrega-se ao prenome, pelo costume pátrio e pela sistemática registrária, o nome de família (vulgarmente chamado de sobrenome), para se estabelecer uma clara e precisa distinção da origem familiar do possuidor do nome, estabelecendo especificamente o tronco de origem de cada ascendente. É o patronímico, seja de origem materna ou paterna.
Portanto, ao ser formado o nome do filho, ao seu prenome se acrescentam os patronímicos materno e paterno, ou apenas este último. Conclui-se, assim, que os elementos fundamentais do nome civil são: prenome e patronímicos.
Deve-se creditar às divergências das denominações, conforme antes registrado, às leis que trataram a matéria, a partir do Decreto nº 9.886, de 07/03/1888 (Lei do Registro Civil do Império), já que umas e outras utilizavam, por exemplo, a denominação sobrenome como sendo nome de família, apelido de família, patronímico.
IV - No caso em questão restaram comprovadas as alegações iniciais através da farta documentação acostada aos autos, bem como através dos depoimento tomados em audiência, ademais, a anuência paterna expressa, demonstra que assiste razão à requerente.
V - Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido e defiro a alteração postulada, passando nome da requerente para F.E.
Mandado, após o trânsito em julgado. Registre-se. Publique-se. Intime-se.
Porto Alegre, 30 de dezembro de 2004.
Antonio C. A. Nascimento e Silva
Juiz de Direito".